O clima da Sapucaí invadiu o Vivo Rio, no Aterro do Flamengo, durante a festa da entrega do Estandarte de Ouro, numa noite que celebrou os melhores do carnaval 2024. Distribuído em 19 categorias, com a instituição de um novo prêmio, o de legado social, o troféu reconheceu o talento, a garra e os esforços dos artistas que levaram para a Avenida um bonito espetáculo, além de ter proporcionado uma grande confraternização entre os sambistas. Na categoria de melhor escola, a centenária Portela conquistou o seu quinto estandarte, depois de um hiato de quase três décadas, o que foi motivo de muita comemoração. A última vez foi em 1995, ano do antológico “Gosto que me enrosco”.
A azul e branca de Oswaldo Cruz também foi a ganhadora de melhor enredo (”Um defeito de cor”, desenvolvido pelos carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga), e foi contemplada ainda na categoria personalidade, cuja vencedora foi sua baluarte e histórica porta-bandeira Vilma Nascimento. A Imperatriz Leopoldinense conquistou a maior quantidade de prêmios: cinco ao todo.
— Sempre vivi do carnaval, desde os meus sete anos. Hoje estou com 85. A Avenida é minha segunda casa. É onde me sinto bem. Chego desde a primeira escola e só saio na última — disse a baluarte, para quem o reconhecimento vem num momento importante, quando ela ainda se recupera de um ato de discriminação sofrido no aeroporto de Brasília, em novembro.
O Estandarte de Ouro é uma realização dos jornais O GLOBO e Extra, apresentado por Gulf Combustíveis, apoio técnico cultural de Riotur/Prefeitura do Rio e com o apoio de Supermercados Guanabara.
A festa, encerrada com show de Dudu Nobre — roteiro e apresentação foram de Leonardo Bruno, jornalista, escritor, comentarista da Rede Globo e jurado do Estandarte de Ouro —, foi iniciada com a entrega da premiação de melhor ala de passista para a Mocidade Independente de Padre Miguel. Os componentes fizeram uma pequena apresentação ao som do samba-enredo desse ano, que se tornou o mais ouvido do pré-carnaval. Em seguida, o carnavalesco Nicolas Gonçalves, do Arranco do Engenho de Dentro, subiu ao palco para receber o prêmio Fernando Pamplona, que valoriza o uso de materiais alternativos com efeito criativo e, pela primeira vez, foi destinado à Série Ouro.
Depois veio a Estácio, também da Série Ouro, ganhadora de melhor escola e samba-enredo do acesso. A festa prosseguiu com o Salgueiro, que venceu na categoria inovação (pela cachoeira de LED do carro “A beleza Yanomami”). A importância do prêmio de revelação para o Mestre Pablo, da Porto da Pedra, o fez interromper uma viagem pelos Estados Unidos com a família, especialmente para ir buscar o estandarte.
— Não largo disso aqui tão cedo. Vou dormir abraçadinho — contou o mestre de bateria, que já voltou para os EUA levando o estandarte.
Na premiação seguinte, enquanto as componentes da ala de baianas da Beija-Flor, vencedoras na categoria, evoluíam no palco, os dois telões das laterais exibiam cenas delas na Sapucaí. A escola de Nilópolis também ganhou o destaque do público, com Samuel de Assis representando o Ras Gonguila do enredo. O ator, que estava nos Estúdios Globo gravando uma participação no quadro “Dança dos Famosos” do programa do apresentador Luciano Huck, chegou atrasado, mas ainda a tempo de buscar seu estandarte nos bastidores da festa.
— Até hoje foi o prêmio mais importante que já ganhei na vida. É o reconhecimento do meu trabalho — disse, sobre o fato de ter ganhado pelo voto popular.
A comissão de frente da Viradouro, vencedora na categoria, levantou o público, que sacou os celulares para fazer fotos e selfies, durante a apresentação, com direito à serpente que encantou a Sapucaí. Os componentes deixaram o palco aos gritos de “campeã”, vindos da plateia. A escola venceu o campeonato oficial. Em seguida foi a vez da Mangueira, ganhadora nas categorias melhor bateria (os ritmistas permaneceram no palco o tempo todo, embalando as apresentações) e legado social. A Imperatriz levou cinco estandartes — nas categorias samba-enredo, ala (Sonhar com rosas), puxador (Pitty de Menezes), mestre-sala (Phelipe Lemos) e porta-bandeira (Rafaela Theodoro).
— O que a gente viu aqui foram sambistas felizes por ganharem esse prêmio. O Estandarte de Ouro premia a melhor escola e categorias coletivas. Mas, na sua origem, foi feito para premiar o sambista individualmente. Ele surgiu em 1972, a partir da constatação de que muitas vezes a escola ganhava (o carnaval), mas havia o sambista que se destacava e ninguém registrava isso. O Estandarte tem essa característica de prêmio individual e é uma glória muito grande para o sambista recebê-lo — avaliou Marcelo de Mello, jornalista do GLOBO e presidente do júri que escolheu os premiados.
Tiago Afonso, diretor de desenvolvimento comercial e digital da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, destacou a importância da festa do Estandarte de Ouro como forma de celebrar e homenagear quem faz o carnaval acontecer:
— A alegria que é realizar esse evento é porque depois de um espetáculo maravilhoso, onde a gente vê todas as escolas e a mobilização que acontece para a gente contemplar o show, temos uma noite para celebrar com quem organiza. É delícia ter essa celebração e homenagem a quem faz o carnaval e não só receber deles. Essa é a parte mais bacana de se fazer o estandarte de Ouro há 52 anos.
Mangueira: um legado que vai além do desfile na Avenida
Atuando desde 1988 na aproximação de adolescentes e jovens de baixa renda com o mercado de trabalho, o programa Camp Mangueira, desenvolvido pela verde e rosa, dá uma demonstração de que uma escola de samba é muito mais do que apenas carnaval. O reconhecimento desse esforço veio com a conquista do prêmio legado social, instituído este ano pelo Estandarte de Ouro.
— O prêmio é o reconhecimento de um trabalho que existe há 35 anos e tem muito a ver com a nossa história, com a fundação da Vila Olímpica, do Camp Mangueira e a Mangueira do Amanhã. Isso tudo veio no ensejo de tornar melhor a vida daquela comunidade. O Camp Mangueira é um dos expoentes disso tudo — destacou Moacyr Barreto, vice-presidente da escola.
São diferentes programas, entre eles o de Integração ao Mundo do Trabalho, no qual adolescentes e jovens são encaminhados às empresas como estagiários ou aprendizes. Em três décadas e meia, mais de 20 mil adolescentes e jovens já passaram pelo Camp Mangueira.
Os coordenadores estimam que do total, mais de 70% tenham conseguido a primeira oportunidade de emprego depois de passarem pelo projeto, que conta com cerca de 200 empresas parceiras, entre elas a Xerox, Unimed e Icatu. São essas mesmas parcerias que garantem os recursos necessários para a manutenção do projeto, que funciona dentro da Vila Olímpica da Mangueira.
No Camp Mangueira, que é um dos braços sociais da escola de samba, esse público é capacitado para ingressar nas empresas, na condição de aprendiz. São oferecidas cerca de 700 vagas anuais, oferecidas preferencialmente para a comunidade da Mangueira. As que sobrarem são disponibilizadas para jovens de fora.
A capacitação dura em torno de um mês e os participantes recebem orientações sobre como se comportar numa entrevista de emprego e no ambiente corporativo. Também podem participar de cursos, como o de auxiliar de escritório, já focado na modernização do mercado, que exige conhecimentos de informática, Tecnologia da Informação e Inteligência Artificial, por exemplo. A meta agora é fazer o acompanhamento de todos que já passaram pelo projeto e buscar formas de ajudar os que estão foram do mercado.
— Estamos desenvolvendo um programa, que já está na elaboração final para, em cima desses 20 mil que já passaram pelo projeto, buscar informações sobre o tipo de formação que essas pessoas buscaram e se estão bem empregadas ou não, o que vão precisar se quiserem empreender. E, nesse último caso, vamos ver o que podemos fazer para ajudar, seja através da oferta de microcrédito ou encaminhamento para cooperativas. É um trabalho que tem acompanhamento posterior — garantiu José Pinto Monteiro, um dos fundadores do Camp Mangueira e diretor administrativo do projeto.