O resultado do julgamento da Lei das Estatais, concluído nesta quinta-feira, mostra que Palácio do Planalto conseguiu ampla adesão do Supremo Tribunal Federal (STF) a seu “plano B” para evitar uma derrota completa na decisão a respeito da liminar que derrubou as restrições a políticos no comando de empresas públicas impostas pela lei.
Conforme antecipou a equipe da coluna, o governo já sabia que não teria o total de seis votos para manter a liminar concedida por Ricardo Lewandowski em março de 2023 que permitiu a nomeação cerca de 58 políticos para a administração de estatais – como por exemplo o ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara, que é presidente do BNB. O número de políticos que seriam afetados pela liminar foi obtido em um levantamento feito pelo GLOBO.
Por isso, os articuladores do governo passaram as últimas semanas costurando nos bastidores uma alternativa para conter danos: mesmo que a liminar caísse e as restrições da lei aos políticos fosse considerada válida, o STF poderia preservar as nomeações que já foram feitas nos 14 meses em que a liminar ficou valendo.
Conseguiram. No julgamento desta quinta, o tribunal chancelou a pirueta jurídica que declara a constitucionalidade da Lei das Estatais, mas não derruba as indicações políticas feitas por Lula. Assim, mesmo sem abrir porteira para que “passasse a boiada”, o Supremo deu ao governo o que ele precisava, preservando o loteamento político feito pela administração lulista até aqui.
O pai do “plano B” foi o ministro Dias Toffoli, que decidiu antecipar o voto na sessão de quarta-feira, “furando a fila” da ordem de votação, que segue o critério de antiguidade.
“Não é modulação, é questão da boa-fé, todos os atos praticados durante a vigência da liminar, eu entendo hígidos. Então, hoje eu já adianto o meu posicionamento, o meu posicionamento é pela constitucionalidade da lei, mantidas as nomeações ocorridas durante a vigência da liminar”, apressou-se Toffoli, que tem buscado uma reaproximação com Lula.
A proposta ganhou a adesão unânime de todos os integrantes do STF, inclusive os mais entusiasmados defensores da Lei das Estatais, como o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia e o ministro André Mendonça, quem abriu a corrente pela validade da legislação, sancionada por Michel Temer em 2016, no auge da Operação Lava-Jato.
“Eu também estou acompanhando a proposta do ministro Dias Toffoli, porque aqui eu levo em consideração o princípio da continuidade do serviço público”, justificou-se Cármen.
Antes da conclusão da análise da ação movida pelo PCdoB, o governo Lula até tentou nos bastidores adiar o desfecho da controvérsia para dar tempo de mudar a composição do STF e decidir o processo só depois de substituir a ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro do ano passado, por Flávio Dino, que assumiu o posto em fevereiro.
Em dezembro, quando o julgamento foi marcado e a vaga de Rosa Weber ainda estava aberta, o governo conseguiu que o ministro Kassio Nunes Marques pedisse vista do processo. Kassio foi indicado ao cargo por Jair Bolsonaro, mas vem fazendo acenos a Lula.
A troca de Rosa, mais inclinada a confirmar a validade da Lei das Estatais, por Dino até ajudou o governo, e o ex-ministro da Justiça de Lula votou pela validade da liminar e pela manutenção do loteamento político das empresas públicas, mas mesmo assim não foi suficiente para que a liminar continuasse de pé.
“Não existe canonização por concurso público, e não existe demonização pela participação na política”, disse Dino em sua fala no STF na quarta-feira (8). “É quase algo evidente. Se o concurso santificasse, imunizasse, dando o caráter técnico e não político, não existiriam magistrados corruptos”, disse Dino.
A associação entre a indicação de Dino e a tentativa de derrubar as restrições da Lei das Estatais foi escancarada pelo próprio relator da indicação de Dino ao STF, o senador Weverton Rocha (PDT-MA), durante a sabatina de 13 de dezembro do ano passado. Na ocasião, Weverton sugeriu que o ex-ministro da Justiça foi indicado para o tribunal com o objetivo de permitir a nomeação de políticos para empresas públicas.
Weverton ainda citou nominalmente empresas públicas comandadas por aliados de Lula seriam afetados por uma eventual decisão do Supremo pela constitucionalidade da lei.
“E agora mandaram uma pessoa (Flávio Dino) que conhece a política e sabe o papel da Constituição. Vai ser ruim para nós? Esquece. Eu estou convencido de que, se hoje tem muita crise, é porque justamente nós sempre deixamos os políticos em segundo plano”, afirmou o senador maranhense.
“Nós votamos a Lei das Estatais, que diz que um ministro da Economia não pode ser presidente do Banco do Nordeste se ele estiver em partido político. Nós votamos a Lei das Estatais, que diz que, se eu sair amanhã do mandato, acabei de participar de uma campanha, posso ser o ministro de Minas e Energia, mas não posso ser presidente da Petrobras. Nós mesmos ajudamos a criminalizar a nossa atividade”, declarou Weverton na ocasião.
O resultado do julgamento desta quinta-feira confirma que Lula pode contar com o Supremo em matérias de forte interesse do governo na arena política. E mostra que, ao contrário do que acontece no Congresso Nacional, no STF Lula quase sempre tem mais chances de sair ganhando, mesmo quando perde um pouco.