O mercado da agricultura vertical cresce, atrai investidores e deve atingir quase US$ 10 bilhões em 2025. Graças à transformação digital, as fazendas urbanas são peça importante na busca pela sustentabilidade do campo
O Cenário é dos piores.
Por volta de 2050, oito em cada dez habitantes do planeta Terra viverão em cidades.
Até lá, indica a ONU, a população mundial deve aumentar em cerca de 3 bilhões de pessoas, chegando ao redor dos 10 bilhões.
Para alimentar toda essa gente, mantidas as práticas agrícolas atuais, será necessário 1 bilhão de hectares de terra nova, o equivalente a 20% do território brasileiro.
Hoje em dia, 80% do solo adequado à agricultura está comprometido. Detalhe: 15% dele está estragado, devastado pelo uso inadequado.
Tão claro quanto óbvio — do jeito que está, impossível continuar. Em pouco tempo não haverá terra arável para alimentar todo mundo. “E o que pode ser feito para impedir esse desastre?”, provoca Dickson Despommier, 79 anos, professor emérito de microbiologia e saúde pública da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.
Há esperança. E ela está… nas cidades. Sim, o futuro da alimentação também está sendo cultivado dentro de edifícios, contêineres e galpões mundo afora. Em tempos de escassez de terreno fértil e limitações climáticas, parte da solução para o esgotamento do campo, a fome e a busca por um mundo mais sustentável passa necessariamente pelas fazendas urbanas; em especial as verticais — cujo conceito foi desenvolvido, no final dos anos 90, por Dickson. “O plantio vertical pode ser alocado em qualquer lugar do mundo e permite o cultivo das plantas comestíveis mais consumidas, essenciais para uma dieta equilibrada”, defendeu o professor de Columbia, em conversa com Época NEGÓCIOS.
Graças ao aperfeiçoamento de ferramentas como sensores de internet das coisas, ciência de dados, inteligência artificial e big data, o cultivo vertical permite ganhos ao longo de toda a cadeia produtiva — do momento da plantação das sementes à chegada do alimento no prato do consumidor. Até 2025, o setor de agricultura vertical, apenas ele, deve movimentar US$ 9,6 bilhões, crescendo a uma taxa composta anual (CAGR) de 21,3%, segundo relatório de abril de 2019, da empresa de consultoria americana Grand View Research. As novas tecnologias estão na base desse movimento. Os olhos dos investidores brilham.
Em julho do ano passado, no maior aporte já feito até então para uma agtech, o grupo japonês SoftBank investiu US$ 200 milhões na Plenty. Fundada em 2014 em São Francisco por Matt Barnard (atual CEO), Nate Storey, Jack Oslan e Nate Mazonson, a startup cultiva hortaliças e frutas em torres de seis metros de altura. É belíssimo — as plantas se projetando para fora, formando paredes enormes de mostarda, kale, alface, tomate… Na fazenda Tigris, as verduras e frutas crescem em um substrato produzido a partir de garrafas plásticas recicladas. Por enquanto, a produção está restrita à baía de São Francisco, mas a empresa pretende construir uma fazenda com cerca de 9,3 mil metros quadrados, na cidade de Kent, próxima a Seattle, no estado de Washington. Os planos de expansão também incluem China e Japão.
Mais um exemplo da efervescência do setor? Em dezembro de 2018, menos de dois anos depois de seu lançamento, a agtech Bowery, de Nova York, levantou US$ 95 milhões em uma rodada de investimentos liderada pelo Google Ventures. Alguns meses antes, Irving Fain, CEO e cofundador da startup, convidou Brian Donato para deixar o cargo de diretor de operações da Amazon e assumir o posto de vice-presidente sênior de operações da fazenda nova-iorquina. O executivo aceitou.
O entusiasmo em torno da agricultura vertical é compreensível. As fazendas indoor se provaram até agora mais rentáveis do que as horizontais, em campo aberto. A começar por economia de espaço e ganho de produtividade. Em 2017, três jovens engenheiros fundaram a Pink Farms, na capital paulista. A primeira e maior fazenda urbana vertical da América Latina está instalada em um galpão ao lado da agitadíssima Marginal Tietê. A produção comercial começou em junho passado e, por enquanto, as plantações estão alojadas em uma torre de oito andares, cuja base mede 18,5 metros quadrados. “No campo, isso equivaleria a 1.850 metros quadrados”, diz Geraldo Maia, 28 anos, sócio-fundador da Pink Farms. “Por metro quadrado de chão, nós somos cem vezes mais produtivos.” Na agricultura vertical, o fazendeiro tem domínio total sobre o ambiente. Luz, temperatura, umidade, irrigação… Toucas, máscaras, luvas e protetores de sapato… Entrar na área de cultivo da fazenda paulistana requer uma assepsia tão (ou mais) rigorosa quanto
a exigida nas UTIs dos melhores hospitais.
Como as plantações estão protegidas das intempéries e do ataque de pragas, os alimentos cultivados indoor dispensam o uso de agrotóxicos. Orgânicos, suspiram os consumidores modernos, mais bem informados e engajados. Nas fazendas urbanas, os negócios não se guiam mais pelo ritmo das estações. Lâmpadas LED fazem as vezes de sol. O agricultor 4.0 consegue ajustar o comprimento de onda mais adequado a cada espécie. Dia e noite. Claro e escuro. Rosa e azul… É a fotossíntese hightech na produção de alimentos, com uma concentração maior de vitaminas e minerais em comparação aos produtos cultivados ao ar livre. Como costuma dizer Nick Kalayjian, vice-presidente sênior de engenharia da Plenty, “damos às plantas o ambiente perfeito para que elas sejam as melhores e mais desejáveis versões de si mesmas”. O prato ganha alimentos mais saborosos e nutritivos.
Na província de Miyagi, no leste do Japão, os pés de alface crescem em um ritmo até 40 vezes maior do que nos campos tradicionais. Graças a uma parceria com o biólogo Shigeharu Shimamura, as 17,5 mil lâmpadas LED usadas na plantação foram fabricadas pela GE com ondas no comprimento exato para agilizar o crescimento das plantas. A plantação hightech de Miyagi foi erguida em uma fábrica de semicondutores da Sony, abandonada depois do tsunami de 2011. Em 2.322 metros quadrados são produzidas 10 mil cabeças de alface, todos os dias.
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Como estão nas cidades, as fazendas verticais ficam mais próximas dos consumidores e os custos com logística e transporte diminuem — e a emissão de poluentes também. Mas não só isso. Ao queimar etapas, a taxa de desperdício dos produtos reduz sobremaneira. Segundo Geraldo, da Pink Farms, no modelo tradicional de agricultura, 40% da produção de folhosas estraga no caminho entre o campo e os pontos de distribuição e venda, sobretudo por mau acondicionamento e/ou falta de embalagem adequada. Com os alimentos vindos das fazendas verticais, o consumidor ganha ao levar para casa alimentos frescos — independentemente do lugar e da época do ano.
Graças à parceria com a agtech americana AeroFarms, aos passageiros da primeira classe e da classe executiva da Singapore Airlines que decolam do Aeroporto International Newark Libert, em Nova York, são oferecidas verduras fresquinhas, pouco tempo depois de colhidas. A fazenda está muito perto dali. A AeroFarms foi eleita a agtech mais inovadora de 2019 pela revista Fast Company, na categoria “data science”.
Na configuração do agronegócio 4.0, as fazendas verticais têm um papel importante, mas estão longe de ser a panaceia para todos os males do campo. Com a tecnologia disponível hoje em dia, por exemplo, as culturas estão restritas às hortaliças e alguns legumes e frutas.
Teoricamente, tudo o que cresce na terra poderia ser cultivado em uma fazenda vertical. Mas do ponto de vista financeiro, atualmente, não vale a pena erguer uma plantação de mangas em ambiente fechado. Ou de grãos. “As tecnologias para plantar alimento indoor acabaram de ser inventadas”, diz o professor Dickson, de Columbia. Segundo os entusiastas do modelo de cultivo vertical, é só uma questão de tempo. Pode ser. Cinco anos atrás, dizem os especialistas, as fazendas verticais do modo como as conhecemos hoje seriam impensáveis.
Em comparação às fazendas em campo aberto, a produtividade das verticais, metro quadrado por metro quadrado de chão, é indubitavelmente maior, mas ainda assim elas demandam espaço. Segundo o professor Dickson, para alimentar 50 mil pessoas, a fazenda deveria ter uma altura equivalente a 30 andares e uma base do tamanho de meio quarteirão. Para a cidade de São Paulo, seriam necessários 244 edifícios. Para Manhattan, 33. E Pequim, 430.
Por enquanto, para o consumidor, os produtos vindos das fazendas indoor são de 10% a 15% mais caros do que seus equivalentes cultivados em campo aberto. Em relação aos orgânicos, porém, tendem a ser de 15% a 20% mais baratos. “O custo pode ser um limite hoje”, concorda Dickson. “Mas, em breve, chegará a hora em que eles serão subsidiados pelos governos, de modo a garantir alimentos saudáveis e sustentáveis para todos os cidadãos, em todos os países.” Há esperança.
Vegetais que vêm do frio
A mil quilômetros do Polo Norte, no arquipélago Svalbard, na Noruega, grande parte dos alimentos chega de navio ou avião. Preocupado com a emissão de CO2 e o uso excessivo de plástico, o americano Benjamin Vidmar fundou a Polar Permaculture, uma fazenda sustentável no gelo. No verão, quando há luz 24 horas por dia, Benjamin produz verduras e legumes. No inverno, quando as temperaturas podem chegar a -30ºC durante os quatro meses de escuridão, ele cultiva microgreens, vegetais em estado jovem, com alto teor de nutrientes e sabor intenso. As sobras viram adubo para o minhocário.
O túnel que virou fazenda
Construído na década de 70 e abandonado em 2002, um túnel no condado de Okcheon, a cerca de 200 quilômetros ao norte de Seul, na Coreia do Sul, abriga a NextOn. Em uma área de 2,3 mil metros quadrados, sob o comando de Choi Jae-bin, a fazenda produz verduras e legumes. Apenas 16% da área total do país é usada pela agricultura e, nas últimas quatro décadas, a população rural foi reduzida à metade — enquanto o crescimento populacional chegou a 40%. No ano passado, o governo sul-coreano lançou um programa de investimentos em agricultura vertical.
Fonte: Época Negócios